sexta-feira, 21 de maio de 2010

Porto diz-se com honra

Pelos caminhos desta cidade, contando histórias, desvendando segredos, uma viagem de autocarro pode-se revelar uma agradável descoberta.

A Avenida dos Aliados num dia do fim do mês de Maio, às nove e meia da manhã é dos turistas e das pessoas que correm apressadas de pasta na mão. Está muito calor. O sol ilumina a Avenida e no posto de “City Sighteseeing Tour” já estão turistas: sandálias nos pés, óculos de sol na cabeça, máquina fotográfica ao peito: o Porto é uma cidade prestes a desbravar.
O funcionário do posto de City Sightseeing Tour estende longos mapas desdobráveis, fala inglês e esbraceja. Chegam mais quatro turistas, visivelmente mais velhos que os primeiros e compram bilhetes para a viagem de visita à cidade. O funcionário volta a estender o mapa, a esbracejar e a falar inglês.
Na Rua Infante D. Henrique o autocarro que se prepara para iniciar a rota “Porto das Pontes” conta já com algumas pessoas. São sete e todos falam inglês embora aparentemente não se conheçam: sentam-se em lugares separados e não comunicam entre si.
Os passageiros ligam os headphones oferecidos pelo condutor do autocarro ao banco da frente. A história do Porto pode ser ouvida em seis idiomas diferentes. Percorrer as diferentes faixas é um exercício engraçado. A viagem está prestes a começar.
A Ponte D.Luís é a primeira atracção do roteiro. A história da ponte sopra ao ouvido dos passageiros. O trajecto segue pelas pontes D. Maria, do Infante e do Freixo. Avista-se o Museu de Imprensa, o autocarro pára para entrarem mais seis passageiros. Falam francês.
O autocarro entra agora na via rápida e sai em S.Roque da Lameira, subindo, em direcção ao Estádio do Dragão. Assim que o veículo se aproxima do estádio há a reacção imediata dos turistas: pescoços esticados, máquinas a disparar, alguns até se levantam para tentar ver o interior do edifício. O estádio fica cada vez mais longe, mas ainda há quem olhe para trás…
A viagem prossegue pela Praça Francisco Sá Carneiro, outrora conhecida como Praça Velasquez, por S.Crispim, até ao Campo 24 de Agosto. Aqui entram mais duas senhoras que falam espanhol. O sol esquenta.
Ao atravessar a Ponte do Infante, rumo à Serra do Pilar, o espanto perante a vista privilegiada da zona ribeirinha fez-se notar. As máquinas fotográficas tentaram captar a paisagem.
Depois de uma curta passagem pelo centro de Gaia, o autocarro ruma à ribeira da cidade. À medida que se desce em relação ao rio, a voz que vai dando informações ao ouvido de cada um dos viajantes avisa que se aproxima uma das perspectivas mais marcantes da ribeira do Porto. “Lily! Olha para isto!!!”, diz um senhor em inglês, levantando-se do seu lugar para melhor apreciar a paisagem.
O Douro é uma linha curva, reflectindo luz. Barcos rebelos estão ancorados justo à margem. No aglomerado de pequenas casas de telhados laranjas escuros pode-se distinguir a Torre dos Clérigos, parte da Sé e a cúpula do Palácio de Cristal. Ao fundo vê-se a Ponte da Arrábida. No outro extremo a Ponte D. Luís.
James e Lily vêm do Reino Unido e estão pela terceira vez no Porto. Dizem que o Porto é uma cidade única. Adoram o clima, a simpatia dos portuenses, o marisco e as caves de vinho do Porto. “É uma alegria visitar esta cidade”, afirmam.
O autocarro volta a estacionar na Rua Infante D.Henrique..A viagem chegou ao fim.
A próxima rota é a “Porto Histórico”. Já passa do meio dia. Na parte superior do autocarro estão seis turistas aparentemente estrangeiros que olham distraidamente à sua volta. A primeira preocupação quando o autocarro arranca é conectar os auscultadores ao rádio incorporado no banco da frente. Desta vez há uma inovação em relação à vez anterior: há música portuguesa a passar. Cada vez que a voz que nos fala dos cantos e encantos desta cidade se cala, entra o fadinho. “Preciso de uma razão, para não ir naquela nuvem. Preciso de uma razão que o vento não leve não”.
Mas no céu não há nuvens. E vento, só o provocado pelo andamento do autocarro. A primeira paragem da rota é a Praça da Liberdade. Está cheia de barraquinhas, muitas já abertas, hoje é o primeiro dia da 79ª Feira do Livro. Entram mais duas pessoas. O autocarro segue em direcção à igreja de Santa Clara, subindo para a Batalha. A Rua de Santa Catarina é uma azáfama. Passeios em dias de sol, compras em dias de sol e de chuva. Sacos plásticos coloridos abanam nas mãos de várias pessoas.
Depois de passar pelo Rivoli, pela Câmara do Porto e pela Trindade, o autocarro ruma até à Reitoria da Universidade do Porto, segue o compasso do eléctrico.

Passando pelo Museu Sóares dos Reis e pelo Palácio de Cristal o autocarro vai até à Boavista. A Casa da Música é a atracção da zona. Muitas crianças ocupam as escadas da entrada principal do edifício. Este diamante já está na história do Porto. E “diamonds are forever”…
Cecile e Marie são francesas. Gostam do Porto porque é uma cidade pequena. “Conseguimos ver muitos monumentos, tudo a pé”, diz Cecile. Têm dificuldade em falar inglês, não querem continuar a conversa.
A parte seguinte da viagem adianta já parte do percurso da próxima rota: a passagem por Serralves, e todo o percurso da foz até à ribeira.” Nem negros nem azuis são os teus olhos, meu amor, seriam da cor da mágoa, se a mágoa tivesse cor”.
Com um nome intranscritível, ela é da Malásia. O que mais gostou do Porto foi da zona das praias. “É muito bonito. Estou a adorar Portugal, a cultura do meu país é muito diferente. Este é um sítio especial para mim” afirma no fim desta viagem.
O local de embarque da rota “Porto dos Castelos” é ao lado do Palácio da Bolsa. Na paragem está um casal de alemães típicos: cabelos muito loiros, olhos muito azuis, peles vermelhas do excesso de sol. Conversam alegremente. Têm mochilas às costas e um ar primaveril. Chega o autocarro e o casal é o primeiro a entrar: partem à aventura.
A rota dos castelos conta com a passagem por três fortalezas historicamente importantes na história do Porto: o Castelo da Foz, o Castelo do Queijo e o Castelo de Leça. A maior parte do caminho é feito à beira-mar.
O mar está cheio de surfistas. Alguns banhistas já se atrevem aos primeiros mergulhos do ano e no areal muitos são os que apanham banhos de sol. No autocarro um senhor aproveita também para desapertar a camisa: barriga de fora, calções de praia, meias verdes puxadas para cima, dorme agora a sesta.
Pedro e Rose vêm do Canadá. Ele é português mas não tinha contacto com Portugal há muitos anos. “Posso falar inglês?”, pergunta. “O meu português está muito mau”, acrescenta. “O Porto é uma cidade com muita história, o que é óptimo para nós, vimos do Canáda, só há poucos séculos de história lá. Então é fantástico visitar uma cidade com milhares de anos de história”, diz entusiasta. “Viemos fazer este roteiro porque vimos publicidade e gostamos”, acrescenta agora em português.
O passeio prossegue. Em Leça entram no autocarro os primeiros portugueses desta viagem. São dez rapazes e vêm com uma mulher mais velha, professora pelos vistos. “Altamente!” diz o primeiro rapaz depois de subir as escadas que levam ao piso superior do veículo. São adolescentes. Empurram-se uns aos outros e mandam piadas ao acaso. Sentam-se perto do jovial casal alemão. A senhora que os acompanha senta-se na parte da coberta do autocarro onde há sombra e durante o resto da viagem vai lançando olhares ameaçadores sempre que os rapazes soltam um riso mais alto.
A paisagem é agora apreciada em silêncio, calmamente. “O Fado não é da terra, o fado criou-o Deus. O fado é andar doidinha, perdida pelos olhos teus”.
Entram mais dois passageiros. São um casal e usam chapéus de abas brancos com risquinhas azuis. Ela senta-se na parte coberta do autocarro, ele prefere apanhar sol. Pelas feições são asiáticos.
A calçada junto à praia é aproveitada para caminhar, para trocar beijos apaixonados, para fazer exercício físico.
Depois de uma passagem pela Quinta da Conceição e da Quinta de Santiago, avista-se o Porto de Leixões.
O autocarro dá a volta e regressa pelo caminho já percorrido: do clube naútico até ao Castelo do Queijo. Aí segue em direcção à zona da Boavista: o Estádio do Bessa merece a atenção dos turistas.
Lorena é brasileira e está no Porto pela segunda vez. Passou a viagem a olhar com paixão para todos os monumentos. “Vim no passado ao Porto e estou voltando outra vez. Gostei muito, tem muitos locais bonitos para ver, o povo é muito agradável e simpático. Tem bons vinhos…”. Fala de uma assentada, com entusiasmo “Vim neste autocarro porque cheguei hoje, estava em Paris. Amanhã vou para Braga e depois vou para Santiago de Compostela. Vim para matar saudades do Porto, como o tempo é curto, esta é uma boa solução, aí vou aproveitar para rever as coisas que eu tinha visto a vez passada”.
Na Praça da República velhos e jovens preferem a sombra ao sol tórrido. Tórrido como em dias de Agosto.
A viagem acaba onde começou. Uma multidão de idosos espanhóis aguarda o esvaziamento do autocarro para que possam entrar. Risos multiplicados, conversas sem fim. É uma alegre convivência.
Na busca pela eterna novidade do mundo nas águas do Douro, nos contornos da Torre dos Clérigos ou na Ponte D.Luís, europeus, americanos do norte e do sul e até asiáticos marcaram presença nesta viagem pela antiga, mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto.

[Porque há sempre mais Porto para conhecer]


Daniela Dias Teixeira

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